Há menos de um mês, quando o bispo do Marajó, Dom
José Luiz Azcona, defendeu publicamente a transformação do arquipélago
marajoara em território federal, não faltou quem recebesse a proposta com um
misto de surpresa e incredulidade. Essa atitude, mais que equivocada, pode
ainda custar caro ao Pará. Líder carismático, muito respeitado pela população
marajoara, mesmo por aqueles que não professam a fé católica, o bispo não
emitiu, como podem pensar alguns, uma simples opinião pessoal. Na verdade, ele
deu expressão a um sentimento que é hoje muito forte entre a população dos 16
municípios do Marajó e cuja força é tão intensa que poderá alcançar em algum
momento, em futuro relativamente próximo, algo perto da unanimidade. Tudo vai
depender, segundo lideranças políticas, empresariais e comunitárias, que
compartilham e dão curso ao movimento separatista, da postura a ser adotada
pelo Governo do Estado.
“O povo do Marajó já se cansou da indiferença, do
desprezo e do abandono a que tem sido relegado há séculos. Se não houver uma
mudança drástica, o movimento pela federalização do arquipélago se tornará
incontrolável”, afirmou esta semana o presidente da Amam, a Associação dos
Municípios do Arquipélago do Marajó, Pedro Barbosa (PMDB), que também é
prefeito de Portel. Ele foi um dos convidados presentes à programação
comemorativa dos 179 anos de fundação do município de Cachoeira do Arari,
ocorrida na quinta-feira.
Em Belém, a direção da Amam confirmou, na
sexta-feira, que está fazendo uma consulta formal aos prefeitos dos 16
municípios que integram a entidade. “Nós sabemos que a proposta de
federalização tem o apoio da maioria esmagadora da população, mas não temos
ainda dados objetivos sobre a posição individual dos nossos prefeitos”, afirmou
um dirigente da associação. Acrescentou que, na mesma sondagem, a Amam está
consultando os prefeitos sobre como eles entendem que deva ser conduzido o
processo de transformação da ilha em território federal.
A proposta, aliás, nem chega a ser exatamente
nova. Pelo menos na seara legislativa, o primeiro passo concreto nesse sentido
foi dado em 2002. Não por qualquer liderança política do Pará, e menos ainda
por algum representante do Marajó. A iniciativa coube ao deputado federal
Benedito Dias (PP), do Amapá. A proposta de realização de plebiscito para
decidir sobre a federalização, apresentada há dez anos pelo parlamentar
amapaense, nunca passou das comissões técnicas. Se ela, por alguma razão, fosse
aprovada hoje em plenário, ninguém, em todo o arquipélago, tem dúvida de que o
plebiscito daria à tese separatista uma vitória consagradora.
Miséria alimenta o desejo de federalização
Miséria alimenta o desejo de federalização
Dos dez municípios brasileiros com menores
Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), seis estão na Ilha do Marajó. Basta
esse dado, apresentado na quinta-feira pelo presidente da Federação da
Agricultura e Pecuária do Pará, Carlos Fernandes Xavier, para mostrar o quadro
desolador de pobreza e atraso em que secularmente tem vivido a população
marajoara, hoje composta de aproximadamente 450 mil habitantes.
No arquipélago, com extensão territorial de 104,6
mil quilômetros quadrados, viviam, há apenas meio século, cerca de cem mil
pessoas. O crescimento demográfico registrado nesse período não foi acompanhado
de investimentos – públicos e privados – em volumes suficientes para garantir
condições sequer razoáveis de desenvolvimento econômico e social. Explica-se
por aí o quadro de persistente pobreza que caracteriza a população marajoara e
a precariedade de serviços públicos básicos, como: saúde, educação e segurança
pública, para não falar do saneamento básico quase inexistente.
Como agravante desse quadro, tem-se ainda uma
infraestrutura inexistente ou caracterizada por extrema fragilidade, do que
resulta o isolamento de extensas áreas do arquipélago, com todas as
consequências daí advindas. O acesso a determinadas áreas só é possível de
barco, em viagens que chegam a durar até mais de 40 horas, a partir de Belém.
As longas distâncias e as carências de meios minimamente eficientes de
transporte fazem com que parcela consideráveil da população marajoara viva
praticamente à margem da civilização.
Basta dizer que, em Anajás, chega--se a ter
metade da população acometida por malária em certos períodos do ano. A ausência
do Estado se faz notar por vários aspectos e por diferentes indicadores. O
roubo de gado, um crime comum há décadas no Marajó, chegou a um ponto
incontrolável e só agora está sofrendo uma repressão mais aguda. A pirataria
vicejou livremente durante anos e implantou no arquipélago o que hoje já se tipifica
como um regime de terror. A par disso, a miséria humana e a ausência quase
absoluta do poder estatal permitiram o florescimento de outras atividades
criminosas, como: a prostituição infantil e o tráfico de drogas, flagelos que
contribuem para esgarçar ainda mais o já frágil tecido social do Marajó.
Para o presidente da Amam, Pedro Barbosa, falta
tudo ao Marajó – da infraestrutura econômica mais elementar aos serviços
básicos de atendimento social. Na área de saúde pública, por exemplo, Pedro
Barbosa só vê uma saída: a criação, pelo Estado, de uma faculdade de medicina
no próprio arquipélago. Isso levaria para lá profissionais qualificados, o que
ajudaria a melhorar o atendimento à população, a curto e médio prazos, e
ajudaria a formar recursos humanos, com raízes locais, para garantir a melhoria
da assistência médico-hospitalar a longo prazo.
O presidente da Amam adverte também que poderá
resultar em fracasso qualquer grande empreendimento econômico no Marajó se o
governo não investir antes em pessoas, se não buscar a elevação do nível de
formação e qualificação profissional dos jovens, principalmente. “Nós não
estamos pedindo universidades, nem centros de pesquisa científica. Para nós, já
seria suficiente a capacitação de nossos professores, a implantação de algumas
escolas técnicas e a criação de cursos profissionalizantes”, disse ele. “E isso
não é pedir demais”, acrescentou. (Diário do Pará)
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