segunda-feira, 14 de maio de 2012

Marajó quer deixar de ser parte do Pará


Há menos de um mês, quando o bispo do Marajó, Dom José Luiz Azcona, defendeu publicamente a transformação do arquipélago marajoara em território federal, não faltou quem recebesse a proposta com um misto de surpresa e incredulidade. Essa atitude, mais que equivocada, pode ainda custar caro ao Pará. Líder carismático, muito respeitado pela população marajoara, mesmo por aqueles que não professam a fé católica, o bispo não emitiu, como podem pensar alguns, uma simples opinião pessoal. Na verdade, ele deu expressão a um sentimento que é hoje muito forte entre a população dos 16 municípios do Marajó e cuja força é tão intensa que poderá alcançar em algum momento, em futuro relativamente próximo, algo perto da unanimidade. Tudo vai depender, segundo lideranças políticas, empresariais e comunitárias, que compartilham e dão curso ao movimento separatista, da postura a ser adotada pelo Governo do Estado.
“O povo do Marajó já se cansou da indiferença, do desprezo e do abandono a que tem sido relegado há séculos. Se não houver uma mudança drástica, o movimento pela federalização do arquipélago se tornará incontrolável”, afirmou esta semana o presidente da Amam, a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó, Pedro Barbosa (PMDB), que também é prefeito de Portel. Ele foi um dos convidados presentes à programação comemorativa dos 179 anos de fundação do município de Cachoeira do Arari, ocorrida na quinta-feira.
Em Belém, a direção da Amam confirmou, na sexta-feira, que está fazendo uma consulta formal aos prefeitos dos 16 municípios que integram a entidade. “Nós sabemos que a proposta de federalização tem o apoio da maioria esmagadora da população, mas não temos ainda dados objetivos sobre a posição individual dos nossos prefeitos”, afirmou um dirigente da associação. Acrescentou que, na mesma sondagem, a Amam está consultando os prefeitos sobre como eles entendem que deva ser conduzido o processo de transformação da ilha em território federal.
A proposta, aliás, nem chega a ser exatamente nova. Pelo menos na seara legislativa, o primeiro passo concreto nesse sentido foi dado em 2002. Não por qualquer liderança política do Pará, e menos ainda por algum representante do Marajó. A iniciativa coube ao deputado federal Benedito Dias (PP), do Amapá. A proposta de realização de plebiscito para decidir sobre a federalização, apresentada há dez anos pelo parlamentar amapaense, nunca passou das comissões técnicas. Se ela, por alguma razão, fosse aprovada hoje em plenário, ninguém, em todo o arquipélago, tem dúvida de que o plebiscito daria à tese separatista uma vitória consagradora.

Miséria alimenta o desejo de federalização
Dos dez municípios brasileiros com menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), seis estão na Ilha do Marajó. Basta esse dado, apresentado na quinta-feira pelo presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, Carlos Fernandes Xavier, para mostrar o quadro desolador de pobreza e atraso em que secularmente tem vivido a população marajoara, hoje composta de aproximadamente 450 mil habitantes.
No arquipélago, com extensão territorial de 104,6 mil quilômetros quadrados, viviam, há apenas meio século, cerca de cem mil pessoas. O crescimento demográfico registrado nesse período não foi acompanhado de investimentos – públicos e privados – em volumes suficientes para garantir condições sequer razoáveis de desenvolvimento econômico e social. Explica-se por aí o quadro de persistente pobreza que caracteriza a população marajoara e a precariedade de serviços públicos básicos, como: saúde, educação e segurança pública, para não falar do saneamento básico quase inexistente.
Como agravante desse quadro, tem-se ainda uma infraestrutura inexistente ou caracterizada por extrema fragilidade, do que resulta o isolamento de extensas áreas do arquipélago, com todas as consequências daí advindas. O acesso a determinadas áreas só é possível de barco, em viagens que chegam a durar até mais de 40 horas, a partir de Belém. As longas distâncias e as carências de meios minimamente eficientes de transporte fazem com que parcela consideráveil da população marajoara viva praticamente à margem da civilização.
Basta dizer que, em Anajás, chega--se a ter metade da população acometida por malária em certos períodos do ano. A ausência do Estado se faz notar por vários aspectos e por diferentes indicadores. O roubo de gado, um crime comum há décadas no Marajó, chegou a um ponto incontrolável e só agora está sofrendo uma repressão mais aguda. A pirataria vicejou livremente durante anos e implantou no arquipélago o que hoje já se tipifica como um regime de terror. A par disso, a miséria humana e a ausência quase absoluta do poder estatal permitiram o florescimento de outras atividades criminosas, como: a prostituição infantil e o tráfico de drogas, flagelos que contribuem para esgarçar ainda mais o já frágil tecido social do Marajó.
Para o presidente da Amam, Pedro Barbosa, falta tudo ao Marajó – da infraestrutura econômica mais elementar aos serviços básicos de atendimento social. Na área de saúde pública, por exemplo, Pedro Barbosa só vê uma saída: a criação, pelo Estado, de uma faculdade de medicina no próprio arquipélago. Isso levaria para lá profissionais qualificados, o que ajudaria a melhorar o atendimento à população, a curto e médio prazos, e ajudaria a formar recursos humanos, com raízes locais, para garantir a melhoria da assistência médico-hospitalar a longo prazo.
O presidente da Amam adverte também que poderá resultar em fracasso qualquer grande empreendimento econômico no Marajó se o governo não investir antes em pessoas, se não buscar a elevação do nível de formação e qualificação profissional dos jovens, principalmente. “Nós não estamos pedindo universidades, nem centros de pesquisa científica. Para nós, já seria suficiente a capacitação de nossos professores, a implantação de algumas escolas técnicas e a criação de cursos profissionalizantes”, disse ele. “E isso não é pedir demais”, acrescentou.  (Diário do Pará)

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